fanzine Tertuliando (On-line)

Este "blog" é a versão "on-line" da fanzine "Tertuliando", publicada pela Casa Comum das Tertúlias. Aqui serão publicados: artigos de opinião, as conclusões/reflexões das nossas actividades: tertúlias, exposições, concertos, declamação de poesia, comunidades de leitores, cursos livres, apresentação de livros, de revistas, de fanzines... Fundador e Director: Luís Norberto Lourenço. Local: Castelo Branco. Desde 5 de Outubro de 2005. ISSN: 1646-7922 (versão impressa)

segunda-feira, janeiro 05, 2015

FOTOSSÌNTESE Cap.19


Com as peças que a larva lhe havia deixado sobre a discoteca, ela observou as fotocópias e nelas se encontrava a personalidade de Naram-Sim. A sua estátua havia desaparecido misteriosamente. Quando abriu o computador Caetana não queria acreditar nas notícias que via pela internet. A sua colega Benedita  havia sido presa pelo fogo posto à discoteca. Foi vê-la na hora das visitas. Ela dizia-lhe que vira na noite anterior o Demónio Pazuzu e que lhe falara no sacrifício. Depressa  foi ao video-clube ver o filme O Exorcista – II – O Herético para tirar algumas conclusões. Só lhe restava uma alternativa o professor do Seminário de Hierarquia dos Demónios este explicou-lhe que este era um dos Demónios mais poderosos  da mitologia sumero-acádica . Havia alguma coisa que não coincidia ali. Recebera mais uma vez notícias da famosa Agatha Cristie que dizia saber porque a sua amiga havia sido presa. Dizia que a sua amiga era a metade da besta, de que era a grande prostituta. Não podia ser. A outra pessoa dizia que estava prestes a dar-se uma grande catástrofe. Benedita era a mensageira da desgraça. Recordara-se daquilo que se havia passado com o DJ quando este fora à entrevista. O carro fora de encontro a um camião mas salvara-se por milagre. Esse milagre não era casual era já influência do Demónio. Caetana  não acreditava  no que estava a ler. Da sua janela via uma pomba chorar sangue e nele estava preso num bilhete Samuel Noah Kramer e Jean Claude Perpére. Eram justamente a História começa na Suméria e As cidades do Dilúvio. Encontrou numa das páginas O Pecado Mortal do Jardineiro e no outro referências ao Direito Penal Hitita. De uma acentada só  foi ter com o professor de mestrados e perguntou  se podia observar os trabalhos da colega recentemente falecida era uma das outras marcas que a pomba lhe deixara Madalena. O professor olhou-a. Ela disse que estava prestes a mudar de tema de mestrado e se possível para a serpente hitita ou para o Demónio Pazuzu. O homem benzeu-se. Bem que mudança! Na prisão estava também François sob a acusação de ter violado a jovem Benedita. Perguntou-lhe como estava e se ele precisava de alguma coisa. Ele disse-lhe que a embaixada estava a tratar de tudo. Até que ele começou a chorara dizer que não aguentava os outros presos que o comiam com os olhos e que o queriam ter como parceiro sexual.

-Eu amo a Bé. Só vim para a merda deste país estudar os baixos relevos e eles pregaram-me uma partida. Ele jurava de pés juntos estar inocente. Caetena disse-lhe ia fazer os possíveis para o tirar dali. Havia uma armadilha muito bem montada. Nos últimos tempos Carlota Joaquina não saía de pé dele. Parecia estar melhor e até lhe dera algumas coisas para ler. Coisas que nada tinham a ver com a sua tese. Ela andava a enganar-nos. Não era nenhuma tolinha. Dizia-lhe que os baixos relevos eram provas de uma chave de Xamãs que guardavam a árvore da vida e protegiam o rei dos Assírios de todas as tempestades e do caos. Tudo isso era verdade. Ela falava por enigmas. Estava a dar as aulas na Escola do Riso e cada vez que eu saía acontecia alguma coisa, sabia que as pessoas que liam os meus textos de humor não entendiam nada, mas eles tinham apenas uma questão puramente académica .Ah, outra coisa ela falava que o Pecado Mortal do jardineiro e o Pinhal de Leiria tinham semelhanças. Quando chegaram ao pinhal de leiria D.Dinis obtivera instruções de um judeu que lhe assegurou que havia de proteger as suas culturas. Quando estava a estudar os baixos relevos dei-me conta de um terror psicológico e que estes mesmos protegiam os palácios e que havia uma figura que era um inimigo pessoal de Pazuzu. Os textos falavam em destruir o inimigo com a força do Deus e que os fazia cair para o lado, quando chegara aos relevos dos palácios dei-me conta - Nos Demónios que estavam nos baixos relevos que guardavam as portas as entradas estavam os ternos dragões, Demónios e Grifos alados. Aí estudei uma coisa fora do contexto da tese de que a nossa amiga ficou muito interessada, eram sacrifícios aos Demónios que se procuravam protecções contra eles, apaziguavam-nos por meio de oferendas, ou ainda ritos aos dons oferecido aos espíritos dos mortos. Ela passou a ser algo mórbida e pediu-me informações de que gostava de saber os sacrifícios de fundação, pelos quais eram esconjurados às influências maléficas que poderiam exercer as divindades que possuíam o solo em que se ia construir. Ela dizia que os baixos relevos continham uma luz só comparável à luz do Sol e que as  buscas de alabastro tinham a haver com tudo isso. Tudo isso reflectia a fertilidade e falava das coisas que se podiam observar nos grãos de trigo ou de génios que estavam a rodear a árvore da vida. Ela queria estar ao pé do disco-jockey mas ele via nela qualquer coisa de doentio. Diz que ela era a representação dom mal. Ela dizia ser a Deusa e que fora gravemente violada pelo jardineiro do jardim e que queria procurar noviças para um novo templo.

-        Meu Deus Como é que eu não pensei nisso antes? Quem é irá acreditar numa coisa destas? Vou ter que falar com o avô dela. Para publicar os seus escritos havia que se preparar muito bem. Quando falou com o seu orientador disse que gostava de organizar os textos escritos pela colega Carlota Joaquina, de os reunir e fazer um livro para ser publicado.

-        Vou falar com o avô dela –disse cautelosa com um misto de carinho nos olhos. Era tão nova!

-        Cabra !És capaz de estar viva e fazer de todos  nós palhaços!- pensou Caetana, enquanto via que o professor se mostrava interessado. Ela falou numa coisa em grande para chegar à comunicação social.

Carlota Joaquina era Madalena e todos os títulos que continham na tese eram a chave para o segredo daquela cabeça. Em casa pegou no livro de Jean Claude Pérpere, Gourney na tradução portuguesa de Pierre Levêque. Embrenhou-se então no primeiro livro “Só os três delitos com pena capital: o incesto, a zoofilia e a violação.De facto, um único crime de carácter sistemático punível com pena capital sem qualquer clemência (...) a rebelião contra o rei (...)”[1]

Um dos episódios de histórias  que revela este meio de cidadania trata-se sem dúvida o episódio de Shupiluliuma. O caso em questão tinha a ver com uma renovação de um tratado anterior com Hukkarra do Azzi-Hayasa (no leste do AltoEufrates, fora do mundo hitita ) deu-lhe como esposa a sua irmã.  Nesta altura, lembrou  ao seu novo cunhado que talvez tivesse a advertência, que os casamentos entre irmãos eram punidos com a morte entre os hititas [2].

Começou por pensar porque razão seria aquela o tema de doutoramento de Madalena. Interessar-lhe-ia não só o sistema judiciário hitita ser de tal modo avançado ao nível dos direitos humanos, como a sua própria posição acima do Código de Hamurabi. Só daquela forma se poderia posicionar para além da história e das opiniões que fazer crer tal como Gurney.[3] O outro aspecto para o interesse naquele estudo seria o fetishe sexual, incomodativo, invulgar e bizarro, a zoofilia. Seria aqui uma representação dos direitos dos animais naquela sociedade e até que ponto os direitos humanos e dos animais poderiam usufruir na sociedade hitita. Qual era então papel do animal na sociedade? Seriam pelos bens jurídicos  ou simplesmente religiosos? Em que meios se integravam? Quais seriam então as normas de direito que selavam estes mecanismos de direito ? Que provas fizeram mover esta legislação? Seriam apenas histórias mitológicas ou apenas um reflexo dessa ideologia? Porque é que aquela pena foi considerada logo um crime ao ponto de prática sexual e ser ao mesmo tempo considerada desviante? Considerariam o animal um ser superior? Ou estaríamos diante de uma civilização avançada demais para a época? Mas para Madalena que trocadilhos nos queria dizer com tudo aquilo? Ou seria apenas uma vontade enorme de vencer?

Lembrou-se de um livro do Professor Bernabé sobre Leis Hititas. Saiu de casa e foi até à livraria ver se o encontrava.



[1] Cf Perpere, op.cit, p.173
[2] Cf Pierre Leveque, As 1ªs civilizações , Vol.II, A Mesopotâmia e os Hititas (Trad. António José Ribeiro, ed. 70, p.121
[3] CF Gurney, The hitites , Pinguin Books